Quem se aventura em realizar experimentações para tentar contatar supostos espíritos pode acabar sendo vítima de seus próprios sentidos e cair na chamada ilusão auditiva. Para algumas pessoas as primeiras experiências com aquilo que elas chamam de “mundo espiritual” pode ser o momento mais sublime de suas vidas.

No entanto, derivada do entusiasmo inicial dessas experiências e da ânsia em querer ouvir alguma voz de algum “espírito” familiar, qualquer sonoridade minimamente estranha ao seu redor pode ser suficiente para provocar interpretações equivocadas.

O que acontece nestes casos é que o ouvido que antes era sedentário passa a se dedicar fixamente em tentar ouvir alguma voz reconhecível no meio de ruídos quase imperceptíveis que rondam à nossa volta, provocando ilusões auditivas naqueles que buscam contatar o “invisível”.

O efeito de transformação verbal

Algumas pessoas que realizam gravações de “vozes” de supostos espíritos descrevem que ao ouvirem repetidamente em looping uma determinada “voz” gravada percebem que, de repente, o significado de uma determinada sentença que havia anteriormente escutando se modificou, e ela agora teria outra interpretação.

Este tipo de ocorrência é uma forte evidência de um fenômeno de ilusão auditiva conhecido na psicologia pelo nome de efeito de transformação verbal. A ilusão ocorre quando a pessoa ouve um determinado áudio em looping, ou seja, repetindo-o sem parar, e quando seu pensamento se conecta com a repetição do som acarretará uma espécie de metamorfose auditiva.

Exemplo do efeito de transformação verbal: ao repetir várias vezes a palavra “life”, auditivamente ela se ‘transforma’ na palavra “fly” (Crédito: Philosophical Transactions of The Real Society B)

Ao ouvir o som repetidamente a mente vai acompanhando-o, e o indivíduo vai modificando mentalmente a interpretação daquilo que ouve, transformando-o mentalmente por meio de uma espécie de ilusão auditiva — apesar do som gravado logicamente continuar fisicamente intacto.

É neste estado mental que leva um indivíduo acreditar que um trecho de som já gravado em uma mídia tenha sido modificado de forma “inexplicável”, passando a interpretar outro significado daquilo que ouvia anteriormente.

Vozes que ecoam das máquinas em movimento

Uma característica marcante dos fenômenos de ilusão auditiva ocorre quando a pessoa diz ouvir vozes que ecoam como se fosse uma sequência de ondas sonoras, vindo uma atrás da outra. Elas mencionam que essas vozes se repetem continuamente sem parar, até que mais uma vez uma nova palavra é ecoada, e esta nova sentença também se repete indefinidamente, sobrepondo-a a anterior, e assim sucessivamente.

Algumas pessoas podem ficar desnorteadas com essas experiências e imaginam que coisas realmente estranhas estão acontecendo ao seu redor. Em episódios mais graves, se o indivíduo continuar ouvindo repetidamente “vozes” poderá acarretar o disparo de um ilusório diálogo com um “espírito” — que obviamente não existe no mundo real.

Neste estágio de ilusão já estabelecido, alguns indivíduos conseguem ouvir vozes a partir de qualquer chiado sonoro, como o barulho do giro das paletas de um ventilador ou em um chuveiro ligado quando estiver tomando banho.

O mesmo fenômeno psicológico acontece também com uma TV ligada (e fora de sintonia). No meio desse chiado ininteligível o indivíduo pode interpretar algum ruído espúrio e sutil como se fosse a materialização de vozes de espíritos que desejam se comunicar.

Porém, é mais comum as pessoas narrarem que podem ouvir vozes ecoando de um gravador de fita cassete. Nestes casos, algumas pessoas conseguem ouvir vozes ressoando através de uma simples fita virgem rolando no carretel do gravador. Este fundo sonoro produzido pelo maquinário pode projetar em um indivíduo uma ilusão auditiva que faça acreditar estar em contato direto com as “vozes do Além”.

Ruído de uma TV fora de sintonia pode provocar ilusões auditivas
Ruídos de uma TV fora de sintonia podem provocar ilusões auditivas em pessoas predispostas a ouvir espíritos (Foto: Gettyimages)

Vozes de supostos espíritos ecoando de máquinas em movimento não são algo novo no campo de pesquisa da caça aos espíritos. O pioneiro pesquisador sueco de “vozes dos espíritos” Friedrich Jürgenson (1903–1987) narrava que nas suas experimentações iniciais, realizadas no final da década de 50, conseguia ouvir “vozes” ao se barbear com o seu barbeador elétrico, além de também ouvi-las por intermédio do barulho da chuva caindo, que adentrava suavemente através da janela de sua casa.

Ilusão auditiva ou “abertura de mediunidade”?

Nestes episódios há em jogo apenas a ilusão auditiva ou estes perenes murmúrios seriam a evidência clara de que os espíritos existem e desejam se comunicar conosco? Para alguns estudiosos estes acontecimentos seriam a expressão clara daquilo que classificam como “abertura da mediunidade”.

Eles defendem que essas vozes sutilíssimas — que somente são ouvidas pela própria pessoa, sem que ninguém por perto consiga escutá-las — seriam a eclosão do fenômeno da clariaudiência.

Outros estudiosos defendem que estes acontecimentos estão restritos a uma fase inicial entusiástica e única, onde realmente acontecem eventos anormais, mas que talvez não voltem nunca mais a ocorrer. Eles acrescentam informando que algumas pessoas passam por estas experiências, já outras não, mas quem passou diz nunca ter esquecido as sensações vividas.

Alguns pesquisadores defendem que ouvir vozes seria o sinal da "abertura da mediunidade". (Foto: Gettyimages)
Alguns pesquisadores defendem que ouvir vozes seria o sinal da “abertura da mediunidade”. (Foto: Gettyimages)

Apesar de a ilusão auditiva estar presente em muitas dessas manifestações aqui descritas, do ponto de vista científico não é possível acolher sumariamente, a priori, que todos os alegados eventos de registros de “vozes anômalas” se resumam a esta explicação.

A questão não está encerrada ainda e as possibilidades de explicações alternativas são diretamente proporcionais às pesquisas que forem sendo efetuadas, consequentemente qualquer conclusão excluindo outras possibilidades seria prematura.

Referências

[1] JURGENSON, Friedrich. Telefone para o Além. Tradução de Else Kohlbach. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.

[2] SCHWARTZ, Jean-Luc; GRIMAULT, Nicolas et al. Multistability in perception: binding sensory modalities, an overview. Philosophical Transactions of The Real Society B, v. 367, n. 1591, Apr. 2012.

[3] WARREN, Richard M. Illusory changes of distinct speech upon repetition: the verbal transformation effect.  British Journal of Psychology, v. 52, n. 3, p. 249–258, Aug. 1961.

Alexandre de Carvalho Borges
Físico em formação (bacharelando) pela Universidade de Franca, Analista de Tecnologia da Informação pela Universidade Católica do Salvador, pós-graduado em Ensino de Astronomia pela Universidade Cruzeiro do Sul, pós-graduado em Ensino de Física pela Universidade Cruzeiro do Sul, pós-graduado em Perícia Forense de Áudio e Imagem pelo Centro Universitário do Norte, pós-graduado em Inteligência Artificial em Serviços de Saúde pela Faculdade Unyleya, pós-graduado em Tradução e Interpretação de Textos em Língua Inglesa pela Universidade de Uberaba, e fotógrafo.

8 COMENTÁRIOS

  1. Se você realmente pesquisou e não se tornou crente convicto, bem, é caso isolado. Não deve absolutamente nivelar todos os pesquisadores por você. Alex, há dois tipos de incrédulos. Um deles está disposto a reconhecer a verdade esteja onde estiver, separando sempre o trigo do inevitável joio. E há o outro tipo de incrédulo por teimosia, por índole, não ama a verdade dos fatos comprovados, cultiva uma espécie de narcisismo intelectual. Perdoe se me engano, mas creio ser você um desses.

    • Carlos, você apenas quer ouvir aquilo em que você acredita. Nem estamos negando aqui a possibilidade de existir uma vida após a morte, e nem afirmando que exista. Não há “fatos comprovados” sobre a existência de uma vida após a morte.

      Você também completamente ignora as teses concorrentes para explicar estes fenômenos, como a da parapsicologia, principalmente da escola europeia, que afirma que estes fenômenos são de natureza humana, apesar de não corriqueiros.

  2. Alexandre, você é um cético da melhor qualidade. Desses que, mesmo que o espírito de um parente ou amigo se manifeste através de um sensitivo e revele coisas tão íntimas que apenas você conheça, encontrará muitas desculpas para continuar duvidando do fenômeno. Tem mais: ainda que uma nave alienígena pouse no vosso quintal e um ufonauta te convide pra dar uma voltinha, você conseguirá convencê-lo de que ele não existe além da tua imaginação. Todos vocês, céticos profissionais, cedo ou tarde terão a experiência paulina no Caminho de Damasco. Depois disso, como ocorreu com Paulo, se tornarão os mais dedicados apóstolos do que hoje duvidam. Quer apostar?

      • Alexandre,VC é limitado,a fronteira da Ciência é de arame farpado,pauta só no que sabe,conhece ou vê,
        Claro,VC não experimentou experiências que foge do seu exíguo controle e conhecimento,por isso,fabrica-se razões, até para assunto que VC não domina,e seu ego recusa conhecer o lado da fé e sobrenatural,então VC ficará só nesse mundinho seu,ignorando possibilidades que te confronta e VC está desarmado por desconhecimento,na sua área VC domina,mas no Espiritual,VC nem nasceu ainda,,,,

        • Você deveria ler o que eu escrevi com mais cuidado, pois não encerro a questão da possibilidade de existência de uma vida após a morte com uma negativa. Este é um tema que investigo e estudo há décadas, mas não conheço nem uma linha escrita por você que permita nos brindar com seu conhecimento superior que alega possuir.

  3. Os espíritos usam ruido de fundo para formar palavras e até esmo frases completas. Imaginação? Muitas dessas frases ouvidas de trás pra diante, formam novas comunicações, logo não se trata de imaginação. Apenas uma pessoa entende o que ouve? Não é verdade. Testes foram feitos em transcomunicação eletrônica com várias pessoas vendo e ouvindo os contatos e todas concordaram com o teor da mensagem. Quanto as imagens de TV, rostos de falecidos surgiram muitos com notável nitidez e foram comprovados pelos parentes e amigos que assistiam. Observo que os céticos normalmente estão mal ou parcialmente informados em tudo que procuram uma explicação “lógica”. Alguém disse que pouco conhecimento gera ignorância. Um pouco mais, gera ceticismo. E a quem se dá ao trabalho (e à honestidade) de pesquisar em primeira mão os fenômenos, torna-se um crente convicto. Só que esses são minoria.

    • Carlos, por anos eu investiguei este assunto e sei muito bem do que estou falando. Como disse no final do artigo, a explicação de ilusão auditiva não se aplica a todos os registros sonoros. Eu estou fazendo aqui apenas uma abordagem de um aspecto que ocorre neste campo de pesquisa. Aqui no site já publiquei no passado vários artigos sobre este tema. Eu pesquisei em primeira mão e não me transformei em “crente convicto” – como você pensa ser o único caminho a se tornar.

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