Em 1950 o escritor de ficção científica norte-americano Ray Bradbury (1920–2012) lançava sua obra ficcional Crônicas Marcianas, onde descrevia a colonização de Marte pelos humanos e o contato com os marcianos que habitavam por lá.

A obra, que era composta de várias crônicas, descrevia o cenário futuro da exploração humana no Planeta Vermelho — período em que nós nos encontramos atualmente e o que ainda está por vir. De 1950 até hoje, a ciência avançou progressivamente e nos deu uma certeza que a ficção científica de outrora não detinha: não há seres marcianos inteligentes vivendo em Marte.

Apesar da exploração espacial não ter encontrado seres pensantes vivendo em gélidas megalópoles marcianas, os promotores de teorias da conspiração afirmam o oposto, de que há atualmente em nosso planeta vizinho criaturas perambulando pela sua superfície. Para os conspiracionistas, os cientistas das agências espaciais já sabem de suas presenças em solo marciano, mas desejam apenas manter para si a informação da existência desses seres lendários.

Livro Crônicas Marcianas, de 1950. Humanos encontram com marcianos.
Livro Crônicas Marcianas, de 1950. Humanos encontram com marcianos.

Os marcianos estão ajudando nossas missões espaciais?

No Brasil há uma pessoa que promove essas ideias bizarras. Seu nome é Marco Antonio Petit, um ufólogo e promotor de teorias da conspiração espaciais. Ele alega que há atualmente em Marte seres inteligentes que estão interagindo com nossas missões espaciais, como a Mars Exploration Rover, expedição americana da NASA que enviou a Marte dois robôs exploratórios — o Spirit e o Opportunity.

Ele afirma que os marcianos (ou alienígenas que estão em Marte) estão interagindo com esses robôs, desde realizando limpezas periódicas em seus painéis solares — com o objetivo de que a nossa missão exploratória perdure por mais tempo do que a inicialmente programada —, como também os próprios alienígenas estão aparecendo em frente às suas câmeras – com o objetivo de se fazerem notar de que há uma presença inteligente por ali.

Segundo ele, os cientistas da NASA conhecem toda a atividade alienígena em solo marciano, inclusive já fotografaram suas inúmeras ações, mas eles encobrem da população todas essas evidências ao inserir tarjas negras nas fotografias disponibilizadas ao grande público.

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Teorias da conspiração apregoam que marcianos estão ajudando nossas missões espaciais.

É verdade que as pessoas podem imaginar o que quiser sobre Marte, porém se elas apresentam fotografias oficiais das missões espaciais como prova de suas alegações e acusam os cientistas de falsificação, nós podemos analisar essas fotografias e verificar se suas acusações têm fundamento ou se são apenas análises fotográficas fajutas, derivadas do puro devaneio e fantasia.

Os marcianos e o jogo de dama com rochas

Segundo Petit, o robô Spirit teria fotografado a ação de engenhos marcianos no solo do Planeta Vermelho. Em palestras no ano de 2012 e 2013 ele apresentou as fotografias mostradas a seguir. Segundo ele, elas mostram que um objeto misterioso no solo marciano estava em um determinado local e posteriormente se deslocou para outro. “Quem tirou aquilo ali e mudou de posição? Não fomos nós”, afirma.

Ele diz que durante o deslocamento o objeto teria simplesmente desaparecido e posteriormente reaparecido em outro local. Essa ação fantasmagórica teria sido flagrada pelas câmeras do robô Spirit em uma série de três fotos, e essas imagens seriam a prova de que nós não estamos sozinhos no Sistema Solar.

Ele promove essas fotografias e alegações em palestras onde promete revelar o que afirma ser a verdade que as agências espaciais escondem de nós.

A primeira fotografia pode ser vista abaixo. Ela foi batida pela câmera de navegação (Navcam) do robô Spirit no seu dia marciano Sol 1833, quando explorava um platô de cerca de 90 m de extensão conhecido como Home Plate. Na seta indico o tal “objeto misterioso” que se encontra entre algumas rochas e que, segundo Petit, irá desaparecer e reaparecer em outro local (clique para ampliar).

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Abaixo, a segunda foto, batida três dias marcianos depois da primeira, em Sol 1836. Ela mostraria que o “objeto” teria desaparecido do local onde se encontrava anteriormente. Onde ele estaria agora?

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Na terceira e última fotografia da série, agora sete dias marcianos depois, em Sol 1843, o enigmático “objeto” ressurge do nada, porém dessa vez ele reaparece ao lado de outra rocha:

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A série das três fotografias pode ser visualizada no site oficial da NASA/JPL em:

http://marsrovers.jpl.nasa.gov/gallery/all/2/n/1833/2N289093752EFFB074P1985L0M1.HTML

http://marsrovers.jpl.nasa.gov/gallery/all/2/n/1836/2N289363474EFFB0A1P1985L0M1.HTML

http://marsrovers.jpl.nasa.gov/gallery/all/2/n/1843/2N289976994EFFB0EOP0675L0M1.HTML

Essa espécie de jogo de damas dos marcianos com as rochas é vendida pelos promotores da conspiração como a prova de que as nossas missões espaciais, especialmente esta do robô Spirit, estão sendo acompanhados tête-à-tête por alienígenas.

Ao olhar estas fotografias não visualizamos nenhum rastro do trânsito do “objeto” no solo marciano. Será que houve uma desmaterialização ou ele era um objeto aéreo que decolou e posteriormente pousou? O que seria este tal “objeto”? Que mistério, não? Que coisa incrível esse puzzle! Só que não.

Encerrando o jogo de damas marciano 

Para solver essa alegação conspiratória, basta olharmos as fotografias anteriores e posteriores a esta série de fotos. Eu fiz essa busca, e nós podemos visualizar que aos 13 dias marcianos anteriores ao início dessa sequência, ou seja, no Sol 1820, o robô Spirit ainda fotografava essa mesma região de Home Plate.

Ele capturou essa área de outro ângulo e nós podemos ver que o tal “objeto alienígena” é apenas uma rocha no solo. Iremos chamá-la a partir de agora de “rocha X”. Na fotografia abaixo indico com uma seta vermelha a localização da rocha X. Na seta em azul vemos as outras rochas envolvidas no problema:

rover-spirit-1820-2N287935810EFFAZOLP1985L0M1http://marsrovers.jpl.nasa.gov/gallery/all/2/n/1820/2N287935810EFFAZOLP1985L0M1.HTML

A explicação para este inexistente mistério é a seguinte:

a) Na sequência das três fotografias, a rocha X continua imóvel no solo marciano e não há nenhum deslocamento para nenhum outro local, e nem seu desaparecimento;

b) Na verdade, quem está se movendo em solo marciano é um verdadeiro objeto artificial: o próprio robô Spirit construído pelos humanos;

c) A rocha X não está ao lado das outras rochas indicadas pela seta azul (como aparentava na série de três fotografias). Como vemos claramente nesta outra fotografia de Sol 1820, tomando-se como referência a posição do robô Spirit, a rocha X está bem atrás das outras rochas mostradas pela seta azul;

d) Quando o robô Spirit se movimenta durante os 10 dias marcianos que compõem a sequência fotográfica de Sol 1833 a Sol 1843, ele bate fotos deste cenário em diferentes posições e ângulos. A partir da posição do robô Spirit ao se movimentar, a rocha X aparenta ter realizado um movimento, quando na verdade é o próprio robô quem o faz;

e) Quando o robô se movimenta e se afasta da rocha X, em um determinado ângulo da fotografia as outras rochas da frente, mostradas pela seta azul, cobrem a visão da rocha X (que está atrás), fazendo com que espantados conspiracionistas pensarem que ela desapareceu.

A movimentação do robô Spirit

Nove dias marcianos após esta fotografia acima ter sido batida, em Sol 1829, ainda vemos a rocha X atrás das outras rochas. Com a movimentação do robô Spirit, neste determinado ângulo a rocha X já está começando a ficar parcialmente encoberta pela rocha da frente. Veja abaixo:

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http://marsrovers.jpl.nasa.gov/gallery/all/2/n/1829/2N288741142EFFAZWEP1994L0M1.HTML

Os promotores da conspiração também afirmam que as outras rochas mostradas no cenário das três fotografias estão imóveis e isto comprovaria que a rocha X é um “objeto” que se move. De fato, todo o cenário rochoso continua intacto e imóvel. Entretanto, quem se move é apenas o robô Spirit, capturando o cenário em diferentes ângulos.

Podemos comprovar esta constatação de um modo bem simples, ao tomar como referência uma rocha qualquer no solo marciano e visualizarmos o aumento de sua distância ao robô durante a sequência das três fotos. (Usamos as fotografias da mesma câmera esquerda da Navcam.) Visualizamos nitidamente que o robô se afasta da rocha:

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Com risíveis denúncias conspiratórias como esta é que os promotores da conspiração pretendem ser levados a sério e querem nos demonstrar que há alienígenas andando na superfície de Marte. Esta é apenas mais uma alegação do picadeiro de falácias conspiratórias que está desmontada.

Alexandre de Carvalho Borges
Físico em formação (bacharelando) pela Universidade de Franca, Analista de Tecnologia da Informação pela Universidade Católica do Salvador, pós-graduado em Ensino de Astronomia pela Universidade Cruzeiro do Sul, pós-graduado em Ensino de Física pela Universidade Cruzeiro do Sul, pós-graduado em Perícia Forense de Áudio e Imagem pelo Centro Universitário do Norte, pós-graduado em Inteligência Artificial em Serviços de Saúde pela Faculdade Unyleya, pós-graduado em Tradução e Interpretação de Textos em Língua Inglesa pela Universidade de Uberaba, e fotógrafo.

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