Por Ronaldo Dantas Lins Filgueira
 

 

Reproduzido neste site com a permissão do autor 

 

1. Diferenças Entre a Voz Masculina e a Feminina

A voz é um prolongamento de nossas emoções, através dela podemos expressar nossas ideias, vontades e sentimentos, sendo personalíssima. Só em ouvir a voz, mesmo sem ver a pessoa, é possível identificá-la, deduzir aproximadamente sua idade, estado de saúde e gênero (se homem ou mulher).

A voz apresenta características intrínsecas que modelam sua qualidade, permitindo a percepção de nuances como a diferenciação do gênero. Entretanto, componentes do aparelho auditivo do receptor contribuem também para esta percepção, interferindo na qualidade da voz percebida.

Em acústica a frequência fundamental é a mais baixa e a mais forte frequência da série harmônica de um som; tecnicamente corresponde ao primeiro harmônico, sendo responsável pela percepção da altura de um som, enquanto que os demais harmônicos participam da composição do formato da onda.

A frequência fundamental (F0) do homem é mais baixa do que a da mulher, sendo este parâmetro o maior responsável pela diferença entre os padrões vocais de homens e mulheres.

O Doutor Saavedra, afirma que “O som que percebemos, dependendo do gênero, é recebido e processado de maneira diferente”. Acrescenta que a mulher emite uma faixa de frequências de som mais complexo que as do homem devido a diferenças no tamanho e forma de suas cordas vocais e sua laringe.

A frequência fundamental da voz humana é que fornece a qualidade subjetiva ao que percebemos como voz aguda (fina) ou grave (grossa), e está relacionada, basicamente, à espessura e tamanho das pregas vocais, sendo determinada a partir do número de vibrações que a prega vocal realiza em um segundo.

2. Áreas Corticais de Processamento da Voz Humana

Ao ouvir uma voz, os tons femininos tomam toda a área auditiva do cérebro, enquanto a voz do homem requer somente o setor sub-talâmico. Num trabalho publicado on-line pelo periódico científico NeuroImage, Michael Hunter e seus colegas da Universidade de Sheffield examinaram o cérebro de 12 homens, os quais escutavam gravações de vozes masculinas e femininas, com máquinas de ressonância magnética.

A equipe verificou que a voz feminina ativa principalmente a chamada região auditória do cérebro, enquanto a masculina estimula uma área conhecida como “olho da mente”, na parte posterior do órgão.

3. O Gênero da Voz nas Alucinações Auditivas em Pacientes com Transtornos Psíquicos

As vozes de homens e mulheres são processadas em áreas cerebrais distintas, conforme um estudo feito por pesquisadores britânicos. O achado pode ajudar a explicar, por exemplo, por que as pessoas que sofrem de alucinações nas quais “ouvem vozes” quase sempre têm a impressão de escutar homens.

“A voz feminina, na verdade, é mais complexa do que a masculina, por causa de diferenças na forma e tamanho da laringe e das cordas vocais e também por possuir uma quantidade maior de melodia natural. Quando um homem ouve uma mulher, a região auditória processa esses sons para “ler” a voz. Quando ouve outro homem, ele compara a voz dele com a sua própria”, diz Hunter.

“Isso explicaria por que as vozes femininas são consideradas mais claras – por serem processadas na região auditória, elas seriam decodificadas mais facilmente.”

As vozes femininas são mais agudas e melodiosas que as masculinas, comportando uma diversificação maior de ondas sonoras, sendo mais fáceis de decifrar. A voz feminina comunica mais informações que uma voz de homem, tendo aquela mais emissão de sons, como acento e entoação (prosódia).

Numa alucinação, explica o Drº. Michael Hunter, o cérebro acaba criando vozes masculinas porque seria muito mais complicado replicar as de mulher. (Folha de SP, 10/8)

4. Fatores que Interferem na Produção e Interpretação do Gênero da Voz Percebida

4.1. Fatores Anátomo-fisiológicos

O homem adulto tem as pregas vocais maiores e mais espessas, por isso ao falar, em um período de 1 segundo, suas pregas vocais vibram, em média, 113 vezes (113 Hz). A frequência fundamental para o homem adulto encontra-se, teoricamente, entre 80 e 150 Hz.

Para meninos em período de muda vocal a voz sofre alterações devido ao crescimento da laringe, ao maior aporte respiratório e a questões comportamentais. Isso leva esse adolescente a um padrão vocal de tonalidade mais grave e mais condizente com o socialmente esperado para um homem adulto.

Em homens as pregas vocais não só aumentam cerca de 10 mm em comprimento, devido ao aumento ântero-posterior da cartilagem tiroide, como também se espessam. A laringe sofre rebaixamento e há uma ampliação das cavidades de ressonância. Devido a isto a porção inferior da extensão vocal (frequências graves) cai cerca de uma oitava.

A frequência vocal de adultos jovens do sexo masculino é aproximadamente C3 (a nota dó na tecla central do piano) na escala musical. Essas alterações provocam rouquidão e quebras de sonoridade temporárias. (ROSEIRO & ATTIANEZI, 2008, pp. 27-30)

Para o português brasileiro, estimativas de valores de f0 foram oferecidas por dois estudos para falantes adultos do sexo masculino e feminino, conforme referência a seguir. Ambos os estudos compararam as medidas de f0 obtidas a partir de amostras de leitura de texto padronizado e de contagem de números.

Assim, na prática, para o grupo do sexo masculino (150 homens normais com idade de 17 a 30 anos, sem histórico ou queixas de alterações laríngeas), a média do valor de f0 foi 134.9 ± 17.9 Hz para leitura e de 130.5 ± 18.5 Hz para contagem, com diferença estatisticamente significativa (PEGARARO-KROOK & CASTRO, 1994, pp. 1659-61)

A mulher adulta tem as pregas vocais menores e menos espessas, apresentando uma frequência fundamental em torno de 204 Hz, com um mínimo de 150 e um máximo de 250 Hz. Nas crianças as pregas são menores e mais delgadas, de forma que em um período de 1 segundo, suas pregas vocais vibram em média 260 vezes, estando a frequência fundamental em torno dos 235 hz. 1

Na prática, para o grupo do sexo feminino (140 sujeitos normais com idade de 17 a 30 anos, sem histórico ou queixas de alterações laríngeas), a média do valor de f0 obtida para leitura foi 213.9 Hz (DP = 9.0Hz) e 200.1 Hz (DP = 26.4 Hz) para contagem de números (CASTRO & PEGARARO-KROOK, 1994, pp. 5-7).

Temos, assim, que a qualidade da voz decorre de dois processos: a produção de um sinal vocal complexo pela laringe e a sua filtragem pelo trato vocal. Alguns componentes da voz são primários da laringe e outros são provenientes do filtro do trato vocal.

Existem diferenças entre o organismo dos homens e das mulheres que resultam em características capazes de diferenciar os dois sexos. As diferenças fisiológicas e acústicas entre vozes masculinas e femininas dependem do comprimento das pregas vocais, das propriedades elásticas da laringe e da forma da glote pré-fonatória. As pregas vocais dos homens são maiores e mais largas do que as das mulheres e o ângulo entre as lâminas da cartilagem tiroide é menor e suas pregas vocais são mais compridas nos homens.

A posição vertical da laringe é mais baixa nos homens. A forma, o tamanho, a densidade e a tensão da face influenciam produção vocal. Sujeitos com a face curta têm sua frequência de formantes deslocada para os agudos, enquanto naqueles com face longa os formantes tendem a se deslocar para os graves.

As faces curtas, podem se relacionar com as mulheres e crianças e as faces longas mais com os homens. Portanto, um homem com uma face curta pode apresentar qualidade vocal com pitch mais agudo favorecendo semelhanças vocais com o sexo feminino. (BEBER, 2009)

4.2. Fatores Culturais

Apesar dos recentes progressos sociais no sentido de romper com os preconceitos de gênero que explícita ou implicitamente supõem que o homem tenha mais direitos, capacidade e poderes do que a mulher, ainda hoje se vê esta ideia subsistir no seio da sociedade. Esta aparente superioridade de gênero faz com que muitas vezes se procure um profissional masculino em detrimento do feminino por “passar” maior segurança.

Ainda nos tempos atuais encontramos pessoas, inclusive mulheres, que só querem ou preferem ser atendidos por médicos e não médicas, terem aulas com professores e não professoras, dentre outros exemplos.

Já está mais do que evidente que apesar de serem diferentes, tanto o homem como a mulher são perfeitamente capazes de exercer atividades as mais diversas. Entretanto, como esta distorcida ideia preconcebida se encontra ainda presente nas mentes dos indivíduos é de se esperar que de alguma forma ela interfira no comportamento dos mesmos.

Existem vozes claramente masculinas ou femininas, enquanto que algumas se encontram em uma região difusa, com uma distribuição de frequência fundamental intermediária que dificulta a sua classificação. Neste caso, este componente cultural de aparente “superioridade” e “segurança” passada pelo gênero masculino é um fator a mais que interfere na interpretação destas vozes limítrofes e a interpretam como sendo masculinas.

5. A Predominância da Voz de gênero Masculino nas Transcomunicações Instrumentais

A geração de vozes paranormais pelo psiquismo, seja qual for sua origem, deve acompanhar os mesmos mecanismos de produção das vozes alucinatórias auditivas exceto o aspecto patológico.

Desta forma, como as vozes femininas são mais complexas e consequentemente exigem uma maior elaboração para serem produzidas, era de se esperar, por um princípio de economia, pelo qual os processos da natureza ocorrem pelo caminho mais eficaz em termos de um menor dispêndio de recursos do sistema elaborador (a mente), no menor intervalo de tempo, que as vozes eletrônicas paranormais, do gênero masculino, sejam mais facilmente produzidas pelo psiquismo e, consequentemente, se apresente em maior número que as vozes eletrônicas femininas.

Além disto, conforme analisado no item “Fatores que Interferem sobre a Interpretação do Gênero da Voz Percebida”, o componente cultural produz uma tendência interpretativa, por parte de quem ouve, de tomar vozes de gênero intermediário como sendo masculinas, aumentando ainda mais o número destas vozes classificadas como pertencentes a este gênero. 

REFERÊNCIAS

BEBER, Bárbara Costa. Características vocais acústicas de homens com voz e laringe normal. Dissertação (Mestrado em Distúrbios da Comunicação Humana). Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, 97 f, 2009.

CASTRO, V. C.; PEGARORO-KROOK, M. I. Características da freqüência fundamental da fala de indivíduos do gênero feminino, falantes do português brasileiro. Pró-Fono Revista de Atualização Científica, 6(2):5-7, 1994.

PEGARORO-KROOK, M. I.; CASTRO, V.C. Normative speaking fundamental frequency (SFF) characteristics of brazilian male subjects. Braz J Med Biol Res., 27(7):1659-61, 1994.

ROSEIRO, Thiago & ATTIANEZI, Margareth. A Puberfonia e o Universo da Voz Masculina. In Revista Adolescência e Saúde. Rio de Janeiro. UERJ. NESSA Publicação Oficial. Vol. 5, nº 2, abr/mai/jun, 2008.

SOKHID, D. S., HUNTER, M. D., WILKINSON, I. D. e WOODRUFF, W. R.. Neuroimage, 27, págs. 572-578

1 http://www.acessa.com/viver/arquivo/vida_saudavel/2005/01/14-cal/, em 23/10/2010

 

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