As interpretações de um episódio sobrenatural variam de acordo com as crenças de cada indivíduo, propiciando um ambiente favorável para a manifestação de variadas crenças. Um episódio emblemático que exemplifica a ação do sistema de crenças de cada indivíduo foi a alegada aparição de uma entidade sobrenatural em Fátima, no ano de 1917.

Não se pode fechar o círculo de hipóteses acerca deste episódio de Fátima, concluindo ser o mesmo a aparição da Virgem, e que a cura de determinadas pessoas no ambiente foi devido a um milagre. É preciso estudar esses fenômenos com um leque mais amplo, ao invés de concluir ser ele um milagre de Deus.

Os acontecimentos em Fátima podem não ter relação alguma com a natureza religiosa e nem muito menos estariam ligados com a catolicidade. Apesar da desconexão, não há elementos suficientes para sustentar a tese de que o evento foi uma fraude e uma armação governamental, como acreditam outros.

As três crianças que viram a entidade em Fátima interpretaram a aparição de acordo com seu conteúdo religioso. Dois pesquisadores, Fina D’Armada e Joaquim Fernandes, investigaram profundamente este episódio. A adequação às crenças religiosas neste episódio foi destacada por eles: as crianças que viram a entidade disseram, na época, que uma “esfera” saiu do peito dela. [1]

Aparição de Fátima para as três crianças
Aparição de Fátima às três crianças

Com o tempo e adequação histórica, essa “esfera” se transformou em “coração”, e hoje é venerado como o “Coração Imaculado de Fátima”. Além disso, o escultor encarregado de fazer a primeira imagem de Fátima não sabia como era a descrição dos aspectos físicos dela, e fez uma cópia de uma gravura de Nossa Senhora da Lapa.

Milagre do Sol

É necessário não fechar o círculo de alternativas e abranger também a hipótese do episódio de Fátima ser analisado sob a ótica dos fenômenos aéreos não identificados. Com relação ao “milagre” do Sol relatado neste episódio, há paralelos com os registros bíblicos. Um trecho da Bíblia, no livro Josué, narra que o Sol e a Lua “pararam” no momento que Josué pediu a Deus:

(JS 10:12) “Então Josué falou ao SENHOR, no dia em que o SENHOR deu os amorreus nas mãos dos filhos de Israel, e disse na presença dos israelitas: Sol, detém-te em Gibeom, e tu, Lua, no vale de Ajalom.”

(JS 10:13) “E o Sol se deteve, e a Lua parou, até que o povo se vingou de seus inimigos. Isto não está escrito no livro de Jasher? O Sol, pois, se deteve no meio do céu, e não se apressou a pôr-se, quase um dia inteiro.”

(JS 10:14) “E não houve dia semelhante a este, nem antes nem depois dele, ouvindo o SENHOR assim a voz de um homem; porque o SENHOR pelejava por Israel.” [2]

A interpretação pelo recipiente mental

Nestes episódios há uma adequação de acordo com o “recipiente mental” de cada povo e sua tradição. “O líquido se adequa a vasilha” em vários casos. Uma frase espiritualista que expressa bem essa analogia foi proferida pelo filósofo brasileiro Huberto Rohden (1893–1981), que diz: “Não compreendemos Deus assim como ele é, mas assim como nos somos. Quem compreende Deus cabalmente assim como Ele é, seria igual a Ele, seria Deus”. [3]

O “milagre” do Sol

Ao contrário das pessoas já “contaminadas” mentalmente pelos grandes centros urbanos, aquelas pessoas humildes, que moram em regiões onde não existe eletricidade, não tendo acesso à TV, não vão relatar que viram “uma nave no céu”.

Ao invés disso, irão relatar que viram “um prato voador”, “uma tocha voadora”, “uma estrela que dança”, “uma assombração da noite” ou “a mãe do ouro”. A tentativa de descrever os fenômenos tem associação com seu cotidiano e com a cultura adquirida.

As testemunhas interpretam os fenômenos de acordo com seu conteúdo mental e, como cada cabeça é uma sentença, terá a diversidade de manifestações. Isso não exclui que o fenômeno UFO não seja multifacetado, mas a interpretação que as pessoas dão a ele ajuda a torná-lo multifacetado.

Visita ao local das aparições “marianas”

Sobre o tópico das aparições “marianas”, eu estive pessoalmente em um desses locais. Na década de 90 tive oportunidade de presenciar as “aparições” ao beato Pedro Régis, na Bahia, no município de Anguera. [4] Na época, as aparições “marianas” eram regulares em sua fazenda, ocorrendo duas vezes por semana. Em algumas mensagens que a pretensa Maria já havia transmitido, criticava a televisão e até o carnaval.

Lá, tudo ocorre como nos outros locais destas aparições: a “santa” surge, somente o beato afirma vê-la, uma mensagem é transmitida e depois ela desaparece. O que se destaca é a credulidade extrema das pessoas. Os presentes caracterizavam o cúmulo da devoção. Ficamos espantados com a “carga” do ambiente, das pessoas altamente devotadas.

Palco das aparições “marianas” em Anguera, na Bahia

O ambiente dá calafrios, apesar de não ter acontecido absolutamente nada de anormal quando lá estive. Desconhecemos fotografias de luzes no céu nestas aparições de Pedro Régis, apesar de existir narrações de ocorrências inusitadas e de muitas pessoas estarem munidas de máquinas fotográficas para registrar os momentos “marianos”. Da vez que estive lá, o beato contou ao público que, em determinada oportunidade, “bolas de fogo” voadoras passaram por cima das pessoas.

As chamadas “bolas de fogo” ou esferas luminosas, que alegadamente aparecem antes do surgimento da “Virgem”, percorrem o ambiente. Tais esferas são comuns nos relatos dos não identificados. Por exemplo, há inúmeros registros de tais fenômenos aéreos durante a Segunda Guerra Mundial, onde ocorreram episódios no qual esferas acompanhavam alguns aviões de combate.

Fenômenos na Serra de Baturité

Na Serra de Baturité, no Ceará, também já foi palco dos fenômenos “marianos”. Em uma dessas oportunidades foi possível obter algumas fotografias do fenômeno aéreo. As testemunhas do fenômeno pensavam que Maria tinha surgido no céu, mas as fotos demonstram apenas pontos de luz, que nem esboçam, por mínimo que sejam, formas humanoides.

Entretanto, se não aparenta forma humana, as testemunhas dão uma nova interpretação para elas: as luzes seriam objetos pertencentes a Maria, como seu colar. O ufólogo Reginaldo de Athayde pesquisou o episódio, mas sofreu xingamentos das pessoas no local por ter dito que o fenômeno não era de cunho religioso.

Fenômeno luminoso na serra de Baturité, Ceará

Neste caso o fenômeno não se adequou, em modo visível, ao que as testemunhas pensavam. As fotografias mostram luzes que nada parecem Maria, Jesus ou qualquer santo. A suposta manifestação física do fenômeno aéreo neste episódio não é semelhante às imagens marianas. Entretanto, qualquer ponto de luz que aparecesse ali no céu seria interpretado como algo de conteúdo religioso.

No entanto, as fotos teriam sido “explicadas” pelo vice-presidente da Estação de Lançamentos de Alcântara, o coronel José Luande. Ele disse que o “fenômeno” mostrado nas imagens seriam mísseis Tomahawk com cargas de bário disparados da base de Alcântara. O livro do ufólogo Reginaldo de Athayde ETs, santos e demônios na terra do Sol: repertório de terror e medo no Nordeste (CBPDV, 2000) conta que ele procurou o astrônomo e professor Cláudio Pamplona para lhe explicar sobre essa questão do bário.

Fenômeno luminoso na serra de Baturité, Ceará

Na página 87 ele explica:

“Afirmou [Cláudio] que um espetáculo [bário na atmosfera] […] só poderia ser visível em Baturité se o lançamento de foguetes ocorresse no máximo próximo à barreira do inferno, no Rio Grande do Norte. Lançado no Maranhão, o fenômeno provocado deveria ser observado, se possível, no horizonte noroeste e não no zênite como aconteceu […]”. [5]

Enfim, essas aparições “marianas” são interessantes para a pesquisa do aspecto social, o psicológico, e notadamente de manifestações físicas.

Maria em bolo que acabou de sair do fogão

Aparições religiosas em veios de madeira, em mofo, em manchas quaisquer, já foram relatadas aos montes por diversas pessoas. Jesus já apareceu em inusitados lugares, como uma senhora que retirou um curativo da perna e acreditava que mostrava o rosto do Nazareno.

Maria já apareceu em guarda-roupa de madeira, em bolo que acabou de sair do fogão e em mancha de café. Um exemplo de um episódio deste tipo ocorreu em Juiz de Fora, no estado de Minas Gerais. Uma senhora viu a imagem de Nossa Senhora de Fátima em um tronco de árvore que havia sido cortado. O jornal Estado de Minas de 01 de abril de 1997 publicou este caso:

Curativo da perna sugeria ser o rosto do Nazareno
Curativo da perna sugeria ser o rosto do Nazareno

“Um fenômeno vem atraindo a atenção de fiéis e curiosos em Juiz de Fora MG, desde o dia 18/03/97, quando a dona de casa Maria Lúcia Soares Moreira identificou a imagem de Nossa Senhora no tronco de uma árvore que teve seus galhos podados em janeiro deste ano. A árvore que fica numa área onde existe uma capela e uma gruta, teve seus galhos podados para facilitar a visão da fachada da Capela e da Gruta localizados no mirante de São Bernardo. Segundo Maria Lúcia, ao parar para fazer uma oração identificou a imagem de Nossa Senhora em um dos pontos onde houve o corte. De acordo com o padre Luís Duque de Lima, o que se pode afirmar é que está ocorrendo em Juiz de Fora um fenômeno que é chamado de ‘revelação particular’. Segundo ele, isso vem acontecendo em todo o mundo e já estava previsto na profecia de Nossa Senhora de Fátima feita a 80 anos”. [6]

Uma boa maneira de gerar esses desenhos subjetivos é através do nanquim. Em uma folha branca umedecida pinga-se nanquim em pontos separados. A pigmentação se espalha facilmente e, no final, gera desenhos dos mais diversos.

A interpretação subjetiva dos desenhos depende de cada um, apesar das manchas serem bem naturais, sem precisarmos apelar para qualquer “milagre” como explicação. Associar tais imagens abstratas a Maria ou a Jesus adentra no reino das crenças religiosas do indivíduo.

Referências

[1] FERNANDES, Joaquim; D’ARMADA, Fina. Intervenção extraterrestre em Fátima: as aparições e o fenômeno OVNI. Amadora: Livraria Bertrand, 1981.

[2] BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. Tradução: Centro Bíblico Católico. 34. ed rev. São Paulo: Ave Maria, 1982.

[3] RODHEN, Huberto. Deus: colóquios com o grande anônimo de mil nomes sobre as angústias do homem e os enigmas do Universo. São Paulo: Martin Claret, 2001.

[4] ALVES, Pedro Régis. Apelos urgentes de Nossa Senhora, Rainha da Paz, em Anguera, Bahia. Luz e Vida, 1995.

[5] ATHAYDE, Reginaldo. ETs, santos e demônios na terra do Sol: repertório de terror e medo no Nordeste. Campo Grande: CBPDV, 2000.

[6] Estado de Minas, Minas Gerais, 01 abr. 1997.

Alexandre de Carvalho Borges
Físico em formação (bacharelando) pela Universidade de Franca, Analista de Tecnologia da Informação pela Universidade Católica do Salvador, pós-graduado em Ensino de Astronomia pela Universidade Cruzeiro do Sul, pós-graduado em Ensino de Física pela Universidade Cruzeiro do Sul, pós-graduado em Perícia Forense de Áudio e Imagem pelo Centro Universitário Uninorte, pós-graduado em Inteligência Artificial em Serviços de Saúde pela Faculdade Unyleya, pós-graduado em Tradução e Interpretação de Textos em Língua Inglesa pela Universidade de Uberaba, e fotógrafo.

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