Um dos pilares da ufologia sofreu um abalo nesta noite de 15 de agosto de 2010. Em uma matéria sobre OVNIs transmitida pelo programa de TV Fantástico da Rede Globo, um dos casos abordados foi um clássico da ufologia mundial, o incidente da Ilha da Trindade, ocorrido em 16 de janeiro de 1958 a bordo do navio-escola Almirante Saldanha da Marinha Brasileira.

Segundo o depoimento de uma amiga do falecido fotógrafo Almiro Baraúna (1916–2000) — autor das fotografias nítidas do que seria um OVNI sobrevoando a ilha —, as fotos são apenas uma montagem.

A amiga, a publicitária Emília Bittencourt, disse em entrevista ao programa dominical que Baraúna “pegou duas colheres, juntou, e improvisou uma nave espacial, e usou de pano de fundo a geladeira da casa dele. Ele fotografou na porta da geladeira um objeto com a iluminação perfeita, porque ele calculou tudo e não era bobo. Ele ria muito”. [1]

Segundo a reportagem, uma sobrinha do fotógrafo, de nome Mara Baraúna, também confirmou o truque montado pelo tio, mas não quis conceder entrevista.

Esta mesma sobrinha é quem detém hoje o acervo fotográfico de Baraúna. Dias depois de a reportagem ter ido ao ar, um pesquisador de OVNIs que tinha contato com essa sobrinha afirmou que ela não confirmou a alegação de fraude ao programa Fantástico e que, na verdade, foi mal interpretada.

A análise dos negativos

Bem, o que temos aqui são informações inéditas. Depois de meio século do ocorrido e das fotos e negativos terem sido analisadas pela Marinha do Brasil e pela empresa civil Serviços Aerofotogramétricos Cruzeiro do Sul — sem nenhum sinal de montagem ter sido detectado —, uma amiga do fotógrafo diz ter ouvido a confissão de uma fraude arquitetada por Almiro Baraúna, e relega a fotografia do OVNI a nada mais do que uma montagem com um modelo composto por duas colheres sobrepostas.

Ilha da Trindade, palco de suposta aparição de um “disco voador”. Na foto podemos ver o morro Crista do Galo
(Foto: Marinha do Brasil)

Muitas perguntas ficaram no ar depois dessas supostas revelações. A Marinha foi incapaz de encontrar a fotomontagem ou dupla-exposição na análise do negativo? Na época, o relatório final da Armada sobre a investigação da aparição de OVNIs na ilha naqueles anos de 1957 e 1958, assinado pelo oficial da Inteligência, o capitão de corveta José Geraldo Brandão, tratou nos seguintes termos a análise do negativo:

No que diz respeito aos negativos, eles foram submetidos ao exame de técnicos do Departamento de Hidrografia e Navegação e de técnicos do Serviço Aerofotogramétrico da Cruzeiro do Sul, com os seguintes resultados:

I – O técnico do Departamento de Hidrografia e Navegação da Armada, depois de analisar os negativos, afirmou que são naturais.

II – Os técnicos do Serviço Aerofotogramétrico da Cruzeiro do Sul, após a realização de exames microscópicos para verificar a granulação, análise de sinais, verificação de luminosidade e detalhes de contornos, afirmaram:

Não havia sinal algum de fotomontagem nos negativos mencionados e toda evidência demonstrava que eram realmente negativos de um objeto verdadeiramente fotografado. A hipótese de uma fotomontagem tramada após o avistamento está definitivamente excluída.” [2]

Entretanto, no último parágrafo deste tópico, o relatório oficial da Marinha reproduz a conclusão mais importante da empresa Serviços Aerofotogramétricos Cruzeiro do Sul, que certifica:

É impossível demonstrar tanto a existência como a inexistência de uma prévia fotomontagem; de qualquer forma, para isto se requerem uma técnica de alta precisão e circunstâncias favoráveis para a sua execução.[2]

Se a Marinha e a empresa civil Serviços Aerofotogramétricos Cruzeiro do Sul concluíram ser impossível detectar uma prévia fotomontagem, a possibilidade de truque nunca deixou de estar em jogo neste polêmico episódio da ufologia. Porém, o que dizer das testemunhas oculares de bordo do convés do navio-escola Almirante Saldanha terem afirmado ter avistado o sobrevoo do OVNI por sobre a ilha?

O depoimento da testemunha civil Amilar Vieira Filho

Em 2003 eu tive a oportunidade de entrevistar a única testemunha conhecida ainda viva à época, o civil Amilar Vieira Filho (1925–2008), amigo de Baraúna e presidente do Clube de Caça Submarina de Icaraí — grupo de caçadores submarinos que estavam a bordo a convite da Marinha. Infelizmente, cinco anos depois da entrevista ele foi assassinado em um assalto no Rio de Janeiro.

Amilar confirmou que, sem sombra de dúvidas, avistou algo — que ele chamou de “objeto” — sobrevoando a ilha. Quando lhe questionei sobre a possibilidade de Baraúna, de alguma forma, ter manipulado as fotografias, ele respondeu:

“Pode até ser! Mas que ele contou com o aparecimento do objeto no céu, isso eu estou dizendo, por que eu observei o objeto. Eu vou afirmar isso aqui de vez!” [3]

Surpreso com sua resposta, questionei-o novamente se Baraúna teria feito algum truque com as fotos, e ele complementou:

“Não, não sei! Se ele fez algum truque, de como você está falando aí, de que ele preparou o filme, não sei, ele contou com o objeto no céu. Se ele fez algum truque, foi dentro do que foi visto no céu. Agora o que acontece, como os quatro do grupo já morreram e só tem apenas eu vivo, eu estou te dando a informação do que eu vi. Eu não tenho a menor dúvida que eu não tive ilusão de ótica nenhuma.” [3]

A primeira fotografia de Almiro Baraúna. O “disco voador” chega próximo à Crista do Galo (Foto: Almiro Baraúna)

O depoimento dos militares

E não foi somente ele quem afirma não ter tido ilusão de ótica. A seguir, reproduzo uma reportagem do jornal Folha da Tarde, de 25 de fevereiro de 1958, de título “Tripulantes do Almirante Saldanha afirmam ter visto o disco voador”.

Até então, essa reportagem esteve esquecida no tempo, e é reproduzida aqui de forma inédita. Ela detalha que o repórter pôde entrevistar vários tripulantes do navio, tão logo ele retornou da Ilha da Trindade:

“Santos, 24 (FOLHAS) – A reportagem entrevistou hoje vários tripulantes do Almirante Saldanha navio-escola que se encontra atracado no cais do Armazém 9, e que havia descido à terra.

Todos foram unânimes em ser incontestável a passagem do estranho objeto, sobre a ilha de Trindade, uma vez que esse engenho pôde ser perfeitamente observado por toda a tripulação que se encontrava no tombadilho do navio.

Entre as várias declarações obtidas pela reportagem, e que confirmam a ocorrência do estranho objeto sobre a ilha de Trindade, encontra-se a de um sargento, que não quis declinar o nome, mas que informou que a bordo foram afixadas fotografias da sensacional aparição, flagrantes esses que estiveram expostos até a entrada da barra.

Várias confirmações de tripulantes do Almirante Saldanha, a propósito do aparecimento do objeto foram feitas à reportagem, e muitos deles se dizem testemunhas oculares da ocorrência. Um de nossos entrevistados, adiantou que o capitão de fragata Paulo Moreira, que ficou no Rio, é uma das testemunhas oculares do fato.

Um sargento com quem palestramos disse-nos que fazia três dias que o estranho objeto vinha sobrevoando a ilha, entre dez e 11 h 30. Surgindo sobre o pico da Crista do Galo, evoluindo em várias direções, até buscar a linha do horizonte, onde desaparecia, para, segundo após, retornar à sua posição anterior sobre a ilha.

As notícias do aparecimento do objeto chegaram a bordo vindas da ilha desde que o Almirante Saldanha ali aportou. Os habitantes da ilha, inclusive autoridades, confirmaram a passagem do objeto, por várias vezes, nos três dias anteriores ao da chegada do navio-escola. (…)

O sargento que prestou essas informações, dizendo-se hoje crente da existência de discos voadores, fez a defesa do fotógrafo Baraúna ao dizer que suas fotos são exatas e foram reveladas e copiadas a bordo.

Mais tarde, em Vitória — informou o sargento — ao ser ampliada a fotografia, é que se pôde constatar, com mínimos detalhes, a forma nítida do objeto. Essas fotografias foram, inicialmente, levadas ao Estado-Maior da Armada, que somente agora as divulgou”. [4]

A terceira fotografia de Almiro Baraúna. O “disco voador” está mais visível (Foto: Almiro Baraúna)

A importância dessa reportagem está no fato do repórter ter entrevistado testemunhas militares. Ela foi realizada em Santos (SP), quando o navio Almirante Saldanha voltou da Ilha da Trindade.

No entanto, antes de desembarcar em Santos, o navio havia atracado primeiramente em Vitória (ES), e foi lá que os civis do Clube de Caça Submarina de Icaraí desembarcaram — Baraúna e seus amigos, que logo tomaram um ônibus para Niterói.

Dois dias após, o navio partiu para o Rio de Janeiro, e somente depois atracou em Santos. Sendo assim, nenhum dos entrevistados poderia ser algum integrante do Clube de Caça Submarina de Icaraí, porque todos eles já haviam desembarcado anteriormente em Vitória.

Apesar da reportagem não declinar nenhum nome de militar, ela apresenta a evidência, constatada pelo repórter, de que muitos desses militares alegam ter sido testemunhas oculares da passagem do OVNI sobre a ilha.

Pós-escrito:

É possível que a reportagem do jornal Folha da Tarde, de 25 de fevereiro de 1958, tenha entrevistado apenas aqueles militares que estavam na ilha, em solo, e que afirmam ter sido testemunha dos avistamentos ocorridos na ilha em dias anteriores ao do avistamento principal a bordo do navio Almirante Saldanha.

Infelizmente, pela reportagem não podemos categoricamente comprovar que os entrevistados tenham sido aqueles militares que estavam no convés do navio no dia 16 de janeiro de 1958, palco onde tudo ocorreu.

Vídeo da reportagem do programa Fantástico, da Rede Globo, exibido em 15 de agosto de 2010.

Referências

[1] Aeronáutica divulga procedimentos em caso de aparição de discos voadores. Fantástico. Rio de Janeiro: Globo, 15 ago. 2010. Programa de TV.

[2] BRANDÃO, José Geraldo. Relatório sobre a observação de objetos aéreos não identificados, registrados na Ilha da Trindade, no período compreendido entre 5 de dezembro de 1957 e 16 de janeiro de 1958. Marinha do Brasil, fev. 1958.

[3] BORGES, Alexandre de Carvalho. Entrevista com Amilar Vieira Filho: 45 anos depois, testemunha do avistamento do OVNI sobre a Ilha da Trindade comenta sobre as críticas ao caso. Além da Ciência, 13 fev. 2008. Disponível em: <https://www.alemdaciencia.com/entrevista-com-amilar-vieira-filho-45-anos-depois-testemunha-do-avistamento-do-ovni-sobre-a-ilha-da-trindade-comenta-sobre-as-criticas-ao-caso>.

[4] Tripulantes do Almirante Saldanha afirmam ter visto o disco voador. Folha da Tarde, São Paulo, 25 fev. 1958.

Nota: este artigo já foi revisado e ampliado desde que foi publicado em 17 de agosto de 2010.
Alexandre de Carvalho Borges
Físico em formação (bacharelando) pela Universidade de Franca, Analista de Tecnologia da Informação pela Universidade Católica do Salvador, pós-graduado em Ensino de Astronomia pela Universidade Cruzeiro do Sul, pós-graduado em Ensino de Física pela Universidade Cruzeiro do Sul, pós-graduado em Perícia Forense de Áudio e Imagem pelo Centro Universitário Uninorte, pós-graduado em Inteligência Artificial em Serviços de Saúde pela Faculdade Unyleya, pós-graduado em Tradução e Interpretação de Textos em Língua Inglesa pela Universidade de Uberaba, e fotógrafo.

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